Depois daquela tentativa frustrada de ir ao Coliseu no primeiro domingo do mês, segui minha própria recomendação de ir no primeiro horário na mesma semana.
A principal vantagem de ir no primeiro horário é aproveitar o monumento quase vazio. Você pode tirar fotos com tranquilidade, ler as placas de informações com calma e, quando começar a encher, seguir o passeio em outros lugares.
Eu fui para o Palatino e o Foro Romano, que são bem grandes e não chegaram a lotar (fui no início de fevereiro). Mas é possível deixar esse passeio para o dia seguinte de manhã, já que o ingresso é válido por dois dias consecutivos, e visitar essas ruínas também praticamente vazias!
Estar no Coliseu pessoalmente te dá a, ahm, oportunidade de estar exatamente no lugar onde execuções absolutamente horrorosas aconteceram em nome do entretenimento. E aprender sobre elas!
É incrível estar em uma construção tão antiga, e mais incrível ainda é poder aprender tanto sobre ela ali mesmo, e ir além de tudo aquilo de pão e circo que a gente aprende no colégio.
Essas são algumas das coisas que me surpreenderam – e até me chocaram – durante a visita:
1. Batalhas navais no Coliseu
Na época de sua construção, o Coliseu podia ser inundado para a apresentação de batalhas navais encenadas. Para isso, aquedutos permitiam que a parte da arena fosse rapidamente cheia de água. Em seguida, era esvaziada para continuar os espetáculos do dia. Li uma explicação de que a água provavelmente vinha de um lago artificial construído por Nero em seu palácio, que ficava nessa área!
No entanto, essa época não durou muito, já que o subterrâneo da arena recebeu os corredores onde ficavam os bastidores. Ou seja, prisioneiros, animais, cenários e estruturas utilizados ficavam ali. As ruínas disso podem ser vistas hoje:
2. Tá pegando fogo, bicho!
Essa foi uma das coisas mais violentas que descobri durante a visita! Quando os “espetáculos” nos quais animais selvagens devoravam as pessoas vivas caíram em desuso, outra forma foi introduzida: queimar vivo.
Então, os condenados utilizavam uma túnica cheia de substâncias inflamáveis e começava a dançar na arena. Em seguida, a túnica era incendiada e a dança se transformava nas contorções de dor e desespero da vítima!
E mais: diz-se que as chamas evocavam uma ideia de inferno. Portanto, eram melhor recebidas pelo público. Afinal, quem morria na arena estava ali porque bandido bom é bandido morto e etc.
Aliás, o motivo principal pra trocarem o show de execução foi a associação da morte por animais à dos mártires da igreja Católica.
3. Pichações
Uma das coisas mais interessantes de passear pela parte do museu do Coliseu é entender como era assistir os “shows” na arena. Primeiro, porque as pessoas passavam o dia inteiro lá! Então, entre as ruínas, foram encontrados objetos que dão indícios de como era o dia no Coliseu.
Entre eles, estão jogos de tabuleiro, ossos pequenos e até desenhos entalhados no mármore da arquibancada, representando os gladiadores e as lutas. Esses desenhos, que têm detalhes das roupas e dos animais, seriam o equivalente às nossas pichações! Eles também revelam alguns nomes de gladiadores mais famosos, como Quintus e Vindicomus.
4. A queda da qualidade
O fim das lutas de gladiadores deixa claro como essa violência toda era, de fato, um entretenimento para os romanos. Afinal, devido a uma crise econômica que impactou os custos de produção das batalhas, a escolha de quem lutaria passou a ser menos rigorosa. Então, a qualidade das lutas caiu e o público foi perdendo o interesse!
Assim, a última luta de gladiadores no Coliseu, pelo que se sabe, deve ter ocorrido entre os anos 434 e 435. Consequentemente, ele deixou de ser uma arena de jogos para assumir outras funções, e até foi abandonado por um bom tempo.
5. Multiuso
Entre os achados arqueológicos do Coliseu, foram encontrados vestígios de objetos utilizados em casas, como potes e panelas. Esses itens dão uma ideia do que acontecia lá: foi descoberto que o Coliseu, na era medieval, era utilizado como uma espécia de complexo residencial. Tinha até estábulos, oficinas e uma área comum na arena.
Mas não só de moradia serviu o Coliseu após seu auge.
Além disso, a construção foi utilizada como forte militar, cemitério, destino de peregrinações católicas… Ainda houve uma intenção de transformá-lo numa fábrica de lã, e teve até um projeto para a construção de uma igreja na arena! Aliás, a maquete desse projeto está exposta (sinceramente? Nada a ver uma igreja na arena).
6. Quase um Maracanã
Todo mundo estudou pão e circo na escola, certo? Bom, para que essa política realmente funcionasse, era necessário que fosse disponível para todos. Por isso, entrar no Coliseu era gratuito, independente da classe social. O local abrigava até 80 mil pessoas. Isso é um pouco menos que o Maracanã, que tem lotação máxima de 87 mil pessoas.
No entanto, existia uma divisão nas arquibancadas, com os melhores lugares reservados para a elite da época.
Outro detalhe me chamou a atenção quanto à estrutura do Coliseu: ele tinha uma cobertura retrátil no topo, de madeira e tecido, que poderia ser utilizada no caso de chuva ou de sol forte. Essa estrutura só não cobria o centro, onde fica a arena.
7. Entretenimento o dia inteiro
Os dias de diversão e entretenimento no Coliseu eram dias cheios! Afinal, a programação começava de manhã e só terminava à noite. Inclusive, podia até durar mais de um dia: só a inauguração durou mais 100 dias consecutivos!
Em primeiro lugar, de manhã, os embates envolviam animais, seja em batalhas ou em caça a tipos “exóticos” como elefantes, rinocerontes, javalis e até girafas. Então, pela hora do almoço, ocorriam as execuções de condenados. Por fim, as lutas entre gladiadores e encenações de batalhas famosas, inspiradas na mitologia.
Ou seja, entretenimento o dia todo! E de graça! Yay!
8. Pedreira romana
O Coliseu não foi muito bem preservado ao longo do tempo. Além de ter passado por um verdadeiro abandono, também enfrentou incêndios, terremotos e saques.
Feita de tufo, alvenaria e mármore travertino, a construção foi utilizada como uma espécie de pedreira para outros prédios durante a Era Medieval. E haja mármore: além da fachada, toda a arquibancada era revestida desse material. Hoje, ainda há algumas grandes peças, mas, observando o tamanho da construção e imaginando como ela era, é bem pouco…
9. Bebendo sangue
Por fim, a última Coliseu Horror Story: já parou pra pensar o que era feito com o sangue das pessoas que lutavam e(/ou) morriam no Coliseu?
Ele dava lucro de uma maneira bem sórdida: era absorvido com uma esponja e vendido para as pessoas beberem. Afinal, se acreditava que o sangue tinha propriedades curativas. Além disso, que era um ótimo remédio contra epilepsia. Se fosse de mártires – e muitos morreram no Coliseu – , melhor ainda: poderia curar doenças!
Leia os outros posts sobre Roma no blog:
- Como visitar o Coliseu (e outros museus italianos) de graça
- O jeito errado de visitar a Capela Sistina
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