Acordei com a surpresa do dia ensolarado. O dia anterior tinha sido um dia feio, com nuvens cinzentas, que deixou meu humor bem ruim. Por sorte, nesse mesmo dia comprei uma bicicleta para andar na cidadezinha na qual estou morando e pedalei umas duas horas. Assim, consegui produzir na marra alguma endorfina e me sentir um pouco melhor.
Mas, então, o clima colaborou para um início de dia bom. Me vesti para ir à feira na esperança de comprar um casaco desses que parecem de plástico para enfrentar o vento de bike. Sempre achei esses casacos tão feios e, de repente, estava acordando cedo para orgulhosamente gastar alguns euros em um.
Não achei, mas tudo bem, porque já sabia que no shopping tinha uma loja que vendia e poderia ir lá mais tarde. Afinal, eu não tinha nada para fazer, mesmo. Minhas companheiras pegaram um ônibus para passar o dia numa cidade próxima, mais turística, e eu fiquei por aqui para poder abrir um pouco mais o mapa da cidade em duas rodas.
Estou aqui há menos de uma semana, mas cumprimento o dono da lojinha pelo nome, que é o mesmo do amigo da minha roommate que nos levou a Veneza outro dia (existem italianos que não se chamam Marco?). Também sei mais ou menos encontrar o caminho para o shopping e para o mercado.
Fora isso, ainda me perco. Mas, na verdade não tem muito onde ir. E, como a cidade é pequena, me orgulho em nunca ter usado o Google Maps para me virar aqui: basta memorizar alguns pontos de referência, como a torre da igreja, a rotatória da avenida principal ou a ponte bonitinha, e andar a partir daí.
Fui ao shopping comprar a tal jaqueta de plástico sob um céu muito azul, com nuvens pinceladas e o sol esquentando pontualmente os lugares que escolhia. Na volta, já com o sol baixo de outono por volta das quatro da tarde e a lua despontando alta no horizonte, fiz uma chamada de vídeo com o meu namorado para que ele também pudesse, três horas antes e a nove mil quilômetros de distância, apreciar o céu bonito de outono.
Apoiei o celular na cestinha da bicicleta e pedalei por algumas vielas, mostrando como é o dia a dia de uma cidade no interior da Itália enquanto ele saía para o almoço no Brasil. Tudo é tão antigo, tão tradicional, tão surpreendente para mim, que não conheço muita coisa de antes de 1500 no nosso país! Constatar que o lugar onde moro tem prédios de séculos antes disso, com placas de homenagens a mortos na guerra no mesmo ano que meu bisavô, ainda criança, foi para o Brasil, é um exercício de imaginação.
“Parece que estou no Projac”, brinquei durante a conversa com meu namorado, porque tudo é tão bonito, parece tão milimetricamente colocado que a impressão é de ter saído de um filme ou de uma novela.
“Encontrei algo bastante precioso para mim na Itália: a vida simples”
Encostei a bicicleta ao lado de um banco e observei o movimento em uma das ruas centrais da cidade. Percebi o burburinho das conversas dos adolescentes que acabavam de sair da escola, admirei os idosos andando de bicicleta, reconheci um casal de brasileiros que vi no mercado, notei a mudança de cor dos paralelepípedos conforme o céu passava de um azul claro para azul escuro e a luz da lua iluminava mais que as lâmpadas amareladas.
Me levantei e entrei na gelateria do outro lado da rua, com a bicicleta encostada no mesmo lugar, sem cadeado. Pedi o sabor do dia, que era mascarpone e figo. Eu não sabia o que é mascarpone (agora sei que é um queijo bem cremoso e doce) e não sou muito chegada a figo, mas estava tão gostoso que não importou. Voltei ao lado da bicicleta, que estava exatamente do mesmo jeito, tomei meu sorvete – perdão, gelato – sem cerimônia e sem pressa, e entendi que encontrei algo bastante precioso para mim na Itália: a vida simples.
Eu vim para cá cansada da minha antiga vida, da cidade, do trabalho, das aparências, de tudo que não era meu, mas no que havia me imerso. Vim realizar o sonho de morar no exterior mas acabei encontrando algo que eu falava meio que na brincadeira, sem realmente esperar que pudesse ser tão fácil apenas existir.
Ainda é cedo para dizer se amo a Itália, se quero viver aqui por muito tempo ou se realmente a vida é tão simples quanto parece. Mas essa experiência tem me mostrado que ser feliz é, sem dúvida, muito mais fácil do que a gente imagina.