Por que você não deve tirar fotos sorrindo em Auschwitz

Na semana passada, o Museu de Auschwitz fez um post no Twitter pedindo algo que, surpreendentemente, precisa ser pedido: que as pessoas parem de tirar fotos se equilibrando nos trilhos do campo de concentração: 

“Lembre-se que você está no lugar onde mais de um milhão de pessoas foram mortas. Respeite suas memórias. Há lugares melhores para aprender a se equilibrar do que no que simboliza a deportação de centenas de milhares de pessoas para suas mortes”, diz o post.

Não é a primeira vez que esse tipo de comportamento é exposto e criticado na internet, mas é a primeira em que o próprio Museu se manifesta sobre isso.

O caso provavelmente o mais famoso do tipo também teve origem em Auschwitz. Em 2014, a selfie de uma garota sorrindo no campo de concentração viralizou no Twitter. A autora disse que estava feliz porque era uma viagem que planejava fazer com seu pai quando estudavam sobre a 2a Guerra Mundial, mas ele morreu antes de concretizá-la, no ano anterior.

Eu até entendo de onde vem a selfie no campo de concentração, ainda que não ache que isso justifica a sua existência. Acho que estamos tão acostumados a tirar fotos sorrindo e fotos de nós mesmos que fazer isso num campo de concentração é algo que passa batido no nosso radar de tô fazendo merda. O famigerado “se não tem foto, não aconteceu”, sabe?

Mas não acho que esses aspectos de cultura e comportamento atuais sejam suficientes para deixar de lado a sensibilidade, ainda mais em um lugar como Auschwitz. Ninguém visita um campo de concentração sem saber o que ocorreu lá. A única explicação para estar sorrindo em um lugar como esse é a falta de uma boa dose de noção.

O Instagram é meu e eu posto o que eu quiser

Também na semana passada, fiz um post aqui no blog falando sobre como não tem nada de errado em fazer fotos para o Instagram. Mas abordei apenas uma perspectiva: a de que ele é como os nossos álbuns de fotos de 15 anos atrás, então não deveríamos nos sentir mal por querer fazer fotos legais para mostrar para os outros. Mesmo que essas fotos estejam, por exemplo, mostrando mais você mesmo do que o monumento que serve de cenário.

Mas há uma grande diferença entre fazer uma selfie na frente da Torre Eiffel e fazê-la num campo de concentração. E não tem linha tênue: lugares como Auschwitz não foram feitos para saírem bem em fotos, mas para preservar a memória e garantir que o que ocorreu lá nunca mais se repita. Sinceramente, acho difícil sequer ter vontade de tirar uma foto de si mesmo em um local tão pesado; o foco não é o visitante, mas a visita.

A Selfie Sorrindo em Lugares Inapropriados não é um fenômeno isolado de Auschwitz, claro. Para ilustrar o quanto algumas fotos são terrivelmente desrespeitosas, um artista criou, em 2017, o projeto Yolocaust, no qual trocava os fundos das fotos em que pessoas apareciam em fotos sorrindo, pulando e fazendo pose no Memorial do Holocausto, em Berlim, pelos cenários que são o motivo pelo qual o memorial existe. Ao substituir o simbólico pelo literal, as fotos ficam muito, mas muito difíceis de digerir:

E isso acontece em todo o mundo: para citar alguns, é só procurar na geolicalização do Instagram as fotos tiradas no Memorial da Resistência em São Paulo, no Museu da Memória e dos Direitos Humanos no Chile e até no Memorial do 11 de Setembro nos EUA.

Milhares de mortos, o que tenho a ver?

Algo sobre o que penso muito e sempre tento passar adiante quando falo sobre viajar é a nossa responsabilidade como turistas. O mínimo que devemos fazer ao visitar outros lugares é demonstrar respeito por eles e pelas pessoas que vivem lá. Isso é mais do que evitar jogar papel picado na rua no Carnaval em Veneza ou usar roupas apropriadas para visitar templos, independente da sua religião.

Devemos também compreender e respeitar a memória e a importância de lugares históricos, aproveitando a oportunidade para aprender sobre o que representam. A bagagem mais preciosa que levamos de volta para casa depois de uma viagem é o que aprendemos na estrada, seja nas histórias que contamos, seja nas fotos que mostramos. Não significa que absolutamente tudo que você ver será chocante ou te tocará de forma tão profunda, mas é aí que entra a tal da empatia.

Também é preciso pensar no significado que essas fotos trazem consigo. Se deixar fotografar fazendo graça em campos de concentração ou sorrindo em memoriais não é apenas um desrespeito com a memória das pessoas que sofreram com os acontecimentos registrados ali: é uma forma de contribuir para que a carga histórica desses locais seja reduzida e, consequentemente, também todas as violações que ocorreram ali. E isso não pode acontecer.

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Giovana Penatti

Giovana Penatti

Giovana mal pode esperar pela terça-feira à tarde na qual estará tomando um drink numa praia no Mar Mediterrâneo rindo muito de tudo isso. Enquanto isso, escreve sobre viagem e morar no exterior por aqui!