De volta ao trabalho: a reabertura da Itália pós-coronavírus

No dia 18 de maio, acordei às 8h da manhã com uma sensação curiosa: estava levantando a essa hora para ir trabalhar, algo que não acontecia há pelo menos dois meses. A reabertura do comércio na Itália fez com que vários trabalhadores começassem a voltar para a rotina de antes – devagar, como a gente acorda depois de uma soneca inesperada no meio da tarde: que dia é hoje? O que eu tenho pra fazer agora? Tem uma pandemia rolando mesmo?

A primeira mudança veio antes mesmo do primeiro dia de trabalho: antes, trabalhava seis dias por semana; agora, seriam quatro e, na véspera da reabertura, viraram três. O horário também foi reduzido, de turnos de cinco horas para quatro horas. Antes, os funcionários se revezavam para cumprir um total de 16 horas por dia; agora, o restaurante só faz almoço e janta, com a jornada reduzida pela metade.

Mas a principal mudança foi anunciada alguns dias antes, em uma chamada de vídeo com todos os funcionários. Foi uma espécie de treinamento virtual do passo a passo para acessar o local de trabalho, envolvendo medição de temperatura, luvas, máscara, saquinhos para cobrir os sapatos e muito, mas muito álcool gel mesmo.

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Também fora incluídas novas tarefas na rotina: a sanitização de todo o ambiente, incluindo os vestiários, será feita pelo menos duas vezes ao dia. No ambiente do restaurante, o tempo todo. Sempre que um cliente se sentar à mesa, pagar uma conta, tocar em qualquer coisa, tudo precisa ser jogado fora, lavado na lava-louças ou esfregado com desinfetante.

A máscara, agora, faz parte do uniforme

A primeira hora de trabalho foi dedicada a sanitizar cadeiras, mesas e balcões (que nem podem ser usados para o atendimento: agora, só sentado à mesa, mesmo que seja só pra um café). Também nos situamos com as novas condições, aprendendo os novos passos do serviço e tentando absorver um monte de novas informações ao mesmo tempo.

“Giovana, por que você não fala comigo??”, me perguntou uma gerente, e não soube o que responder. Eu costumo ser bem falante, mas simplesmente não queria interagir muito. Acho que é minha forma de me adaptar às mudanças: primeiro observo tudo, quieta, e, depois, mais confortável, volto ao meu normal.

O país também está tentando fazer isso, tem que chame de “novo normal”, mas não há nada de normal em tentar viver com o coronavírus. Dentro do restaurante, a quantidade de mesas foi reduzida a, talvez, menos da metade. A quantidade de clientes ficou em menos de 10% de um almoço “normal”. A máscara, que deve ser usada todo o tempo, machucou meu rosto e minhas orelhas, e a luva, também obrigatória, manteve minhas mãos suadas, úmidas e amarelou minhas unhas.

Do lado de fora, parece ter mais gente na rua, e todo mundo usa máscara. Dá pra identificar pelas roupas um ou outro cliente que sempre aparecia; os rostos, com a metade cobertos, ficam todos iguais. Ninguém tem mais muita disposição para bater papo, o que acho bom, porque eu mesma não tenho: preciso falar alto demais para que me ouçam, e também fica mais difícil de entendê-los por trás de duas camadas de tecido de algodão.

Fico feliz em poder sair de casa, aproveitar dias de sol que esperei tanto pra ver, andar de bicicleta no meio do mato e cruzar a cidade devagar, porque está cheia de pedestres. Fico mais feliz ainda em continuar com um emprego, quando tanta gente no mundo inteiro o perdeu pra pandemia. Mas, enquanto meus colegas de trabalho parecem ter uma positividade irremediável, como se em algumas semanas tudo voltasse ao normal de verdade, eu sou mais pessimista: nada vai voltar ao normal em poucas semanas.

Vamos normalizar? Com certeza; acho que é uma forma de continuarmos vivendo e tentar driblar o trauma. Mas eu não consigo entrar na onda do “tá tudo bem” sabendo que, de toda a minha família, eu sou a única que está “a salvo”.

Não tem como viver a reabertura com toda a alegria que gostaria, sabendo que, no Brasil, não vai ter reabertura tão cedo, porque nem fechamento teve até agora, ou consciência coletiva, ou o mínimo de bom senso de boa parte das pessoas para olhar o que acontecia na China, depois na Europa e até nos amados EUA com a atenção e precaução que o vírus exige.

A sensação de reabertura do comércio na Itália é, pra mim, exatamente a sensação que todo mundo tem ao encontrar uma qualidade de vida melhor no exterior: eu estou aproveitando uma coisa boa, mas não totalmente, porque não consigo fazer com que as pessoas que amo também aproveitem. E está totalmente fora do meu controle fazer qualquer coisa além de contar como estamos por aqui, como chegamos neste ponto e torcer para que os meus relatos sensibilizem e inspirem alguém a se protegerem do vírus.

Em pouco mais de dois meses, no dia 18 de maio, a Itália começou a reabrir o comércio. A maior lição? Só reabre quem, antes, fecha.

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Giovana Penatti

Giovana Penatti

Giovana mal pode esperar pela terça-feira à tarde na qual estará tomando um drink numa praia no Mar Mediterrâneo rindo muito de tudo isso. Enquanto isso, escreve sobre viagem e morar no exterior por aqui!