Meu namorado uma vez me disse que, a cada foto da cidade na qual moro eu enviava, ele sentia um abraço quentinho ou algo assim. Entendo muito bem a sensação: é tudo tão bonito e diferente que ainda me surpreendo de estar aqui, exclamo em voz alta quando as nuvens ficam cor de rosa no por do sol e me divirto andando no meio da neblina, sozinha, tarde da noite – e sem nenhum perigo.
Em pouco mais de um mês de Itália, visitei algumas cidades e sempre foi no mínimo incrível. Mas a primeira vez que senti todo o ar dos meus pulmões sair de uma vez, a primeira vez que tive vontade de chorar de tão lindo que era um lugar, foi em Pádua.
Pádua é uma cidade interessante, que lembra um pouco Bolonha: muito antiga, cheia de universitários, com uma igreja a cada dois passos. Ela é mais conhecida por abrigar a Basílica de Santo Antônio, destino de milhões de fiéis em todos os anos, onde estão preservados os restos mortais do santo (o destaque são a língua e as cordas vocais incorruptas) e, imagino, uma das basílicas mais lindas do mundo!
A Basílica de Santo Antônio me fez lamentar ter esquecido os óculos em casa para admirar cada detalhe das abóbadas e andar o tempo todo olhando para cima. Mas não foi ela que me deu uma surra de beleza.
Fui para Pádua meio de surpresa, de carona com um amigo que ia lá a trabalho. Então, não pesquisei muito o que fazer e fui desbloqueando o mapa conforme andava, colando no Google Maps quando via algo interessante ou queria descobrir o que tinha por perto.
Nessas andanças, vi que tinha um castelo ali por perto, o Castello Carrarese, e tentei encontrá-lo. Era uma área um pouco mais distante do centro histórico, e, como era um domingo, estava meio vazio, apenas com alguns residentes passando de bicicleta. Avistei uma torre e, imaginando ser o que buscava, fui caminhando até ela.
Como tantas cidades do Veneto, Pádua é cheia de canais e, ao atravessar um deles, ouvi um barulho de queda d’água cortando o silêncio que me lembrou minha cidade natal. Parei para observar e pensei se a quarta geração anterior da minha família, ao ver o rio de Piracicaba, sentiu alguma familiaridade. Besteira; um rio é bastante diferente de um canal.
Mas a vista foi apreciada, tão apreciada que uma senhora que passava por ali de bicicleta parou para me perguntar se era minha primeira vez vendo.
“Você já viu da outra ponte, do lado de lá? É mais bonito ainda”, me advertiu. “Essa é a torre de Galileu, sabia?”
“Galileu? O astrônomo??”
“Sim, ele estudava lá em cima. Vai lá ver, é muito bonito!”
E seguiu pedalando pelo seu caminho, enquanto eu fui caminhando pelo meu na rua ao lado, observando as árvores do meio do outono com as folhas caindo e o canal escorregando atrás delas. Do outro lado da rua, as casinhas de tons amarelos, marrons e avermelhados criavam uma paleta de cores da estação perfeita. Como pode um lugar ser tão bonito mesmo sendo tão comum?
Chegando na outra ponte, descobri que não era tão comum assim: o canal com água esverdeada se divide em dois bem onde a torre cresce, com as folhas amarelas começando a se desprender das árvores aos lados e a ponte antiquíssima, levemente enferrujada e com cadeados enferrujados presos na grade. O resultado é um cenário saído de um conto de fadas (ou de uma tragédia shakespeareana, mas estamos em Pádua, não em Verona).
E sabe o que acontece quando você vê, ao vivo, um conto de fadas? Você perde totalmente o ar. Trava. Não consegue nem pensar em palavras para se expressar (dá uma olhada no vídeo no fim do post para ver minha reação!).
A torre, tão alta e isolada, parece perfeita para esconder uma princesa por décadas, mas pertence ao Observatório de Pádua. Hoje, abriga o Museu La Specola, onde os visitantes podem ver os instrumentos que foram utilizados pelos astrônomos ao longo do tempo enquanto sobem os 200 degraus até o topo.
Apesar de ser popularmente conhecida como Torre de Galileu e ser apresentada como local onde o astrônomo fez tantas descobertas, ele nunca frequentou a torre: ela só foi erguida 150 anos depois dele ter saído de Pádua (e um bom tempo depois de sua morte, também).
Mas Galileu viveu na cidade por 18 anos, que, segundo ele mesmo, foram os 18 melhores de sua vida. Lá, foi professor da Universidade de Pádua e registrou várias descobertas, como as leis do movimento em parábola e a comprovação do heliocentrismo, teoria criada por Nicolau Copérnico (que, cerca de 100 anos antes, também frequentou a Universidade de Pádua). Pouco depois, quando já não estava mais em Pádua, virou alvo da Inquisição Romana e permaneceu quase 10 anos, até sua morte, em prisão domiciliar.
Sabe quando isso aconteceu? Em 1642. Pois é: as descobertas astronômicas de Galileu e a Inquisição são praticamente contemporâneas ao descobrimento invasão dos portugueses no Brasil!
Acho que boa parte da minha surpresa ao chegar no Lugar Mais Lindo Do Mundo veio dessa constatação: quantas pessoas, ao longo de tantos séculos, passaram por esse lugar – e o que elas pensaram? Como é possível estar em um lugar tão cheio de história e, ao mesmo tempo, não saber história nenhuma dele (haja visto a lenda de que Galileu estudou ali)? E como é possível expressar todas essas emoções, capturar todas as cores e texturas, eternizar tanta beleza?
Tentei tirar fotos, como vocês podem ver nesse post. Mas, depois, me sentei na beira da rua, onde os carros passam mesmo (por sorte, era domingo e eles não estavam passando muitos), e fiquei apenas admirando, com os olhos espremidos pela claridade do céu nublado ao olhar para cima, absorvendo o vento gelado e o barulho dos pássaros misturado ao som um pouco distante da queda d’água do outro lado.
Na maioria das vezes, o que mais vale a pena em viajar é se permitir encontrar o inesperado. <3