Já falei aqui sobre como a Casa da Julieta, onde fica a estátua da Julieta é o pior ponto turístico que já visitei. É sujo, lotado, claramente montado para tirar uns trocados dos visitantes e não tem lá muita relevância. Ou seja, como marco histórico, é nulo. Como passeio, não diverte.
Não que eu esperasse uma grande experiência ao visitar a casa de uma mulher que sequer existiu. Mas o que encontrei foi um reduto de oportunismos de todo tipo. Eles estão na casa-museu quase vazia, na sacada colocada tardiamente, na loja de souvenir, na loja de bordados personalizados e até na estátua de cobre.
Ela foi criada nos anos 60 pelo escultor veronês Nereo Costantini e colocada na casa em 1972. Retrata a inocência da jovem Julieta, que, no romance de Shakespeare, se suicida aos 13 anos por amor a Romeu, de 17.
Reza a lenda que quem tocar seu seio direito terá sorte no amor. Mas, de tão gasta por conta dessa tradição, foi substituída por uma réplica apenas dois anos depois de sua instalação. A escultura original, hoje, está dentro da casa.
Estátua da Julieta: é só uma estátua, mas não é
Não consigo sequer disfarçar meu descontentamento com essa “lenda”. Não consigo não me incomodar ao ver uma fila para tocar o peito de uma estátua de bronze de uma garota de 13 anos com o busto gasto de tantas visitas. Durante a visita, me surpreendi com meu próprio espanto ao ver tanta gente, de todas as idades, gêneros e nacionalidades, sorrindo ao tocar o seio da estátua da Julieta.
Sim, eu sei, é só uma estátua. E é só uma ideia para chamar turistas, assim como tocar no pé do São Pedro no Vaticano (que, de tão gasto, já não pode mais ser tocado), na canela de sei lá quem na porta do Duomo de Milão ou nos testículos do Charging Bull em Wall Street.
Mas, neste caso, a estátua é de uma mulher. Por isso, tem uma simbologia bem diferente. E para mim, que sou mulher, causa um gatilho bem particular.
A estátua em si, como todas as estátuas, é apenas um pedaço de cobre moldado. Mas é dotado de significado. Afinal, é uma estátua que retrata a personagem Julieta. Representa uma garota apaixonada, inocente, subversiva – com apenas 13 anos, ela desafiou a sociedade e a própria família para viver seu grande amor.
Portanto, a estátua não é apenas um pedaço de cobre, mas um símbolo de todas essas outras coisas. Não é possível desvinculá-las. E, assim, entendo de onde vem o meu espanto ao ver tanta gente encostando no peito de uma estátua de uma adolescente enquanto sorri para uma foto.
Por que as pessoas tocam no seio da estátua da Julieta?
Mas há um ponto específico na tal tradição que me irrita ainda mais: ela não faz o menor sentido. Não é antiga, pois a estátua está no pátio há menos de 50 anos. Não tem nenhuma ligação com o coração, pois é do lado esquerdo que ele fica. Mas imagino que seja o peito escolhido seja o direito porque é o que está exposto, já que a mão de Julieta cobre uma parte do outro.
Sendo assim, me parece ser apenas um costume criado para liberar uma sacanagenzinha e criar uma photo-op, um lugar onde é possível fazer fotos e, consequentemente, atrair turistas.
Mas, se é esse o objetivo, precisava ser pegar no peito da estátua que retrata uma adolescente? Não poderia ser na mão, no cabelo, em qualquer parte menos sexualizada?
E qual o problema?
Há uma réplica da estátua em Munique, na Alemanha, que recebe outro tipo de atenção das visitas: para esta, a principal tradição é oferecer flores e tocar as mãos da Julieta.
O seio direito também é gasto, com a cor dourada típica das partes de estátuas que são indicadas para quem procura a sorte. Mas o efeito que as flores dão é bem diferente. A simbologia, também: dar flores é um gesto romântico, carinhoso. Lembrando do suicídio da personagem, levar flores para sua estátua tem até um quê de luto respeitoso.
Antes que você vire ainda mais os olhos, eu entendo que esta é uma problematização chiquérrima. Não acho que devamos nos sentir culpados por tirar uma foto com a mão em uma estátua. Assim como não acho que as pessoas que visitam a Casa de Julieta são assediadoras.
Sinceramente, acho que elas nunca pararam para pensar sob esse ponto de vista, assim como eu mesma nunca tinha parado para pensar que, na porta do Duomo, a tal canela que dá sorte é de alguém que está chicoteando Jesus Cristo. Como isso pode dar sorte??
Mas uma das melhores partes de viajar é adquirir novas perspectivas e pensar o mundo de jeitos diferentes. Então, tá aí o meu. 🙂
E, da próxima vez que for a Verona, talvez eu leve uma flor para a Julieta.
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