Eu nunca termino de falar sobre Mallorca

Em setembro de 2021, eu fui para Mallorca. Até comecei a contar aqui no blog sobre essa viagem, mas nunca terminei.

Em setembro de 2021, eu fui para Mallorca. Até comecei a contar aqui no blog sobre essa viagem, mas nunca terminei. Você sabe que minha periodicidade por aqui anda cada vez mais rara; a vida tem outras urgências, e fico com incontáveis histórias para contar presas na minha cabeça.

Mallorca é uma delas.

Então, em setembro de 2021, eu fui para Mallorca. Cerca de dois meses antes, tinha começado meu primeiro emprego corporativo em Londres. Só eu e minha caixa de entrada sabemos o quanto foi suado; quase um ano de currículos enviados, entrevistas, segundas etapas, últimas etapas, e “gostamos de te conhecer mas decidimos prosseguir com outra pessoa”. Eu quis muito aquele emprego.

Por ser a primeira experiência em Londres, eu não sabia direito como as coisas funcionavam. Fui tão surpreendida pelo período de experiência de seis meses quanto fui pela minha gerente avisando que eu tinha alguns dias de férias e precisava tirá-los até o fim do ano.

“Mas eu tenho dois meses de empresa!”

“Não importa. Você tem dias de férias proporcionais e pode tirar quando quiser.”

Então, decidi ir para algum lugar com praia e nada mais. Não queria fazer nada que não fosse girar igual um bife à milanesa no calor por quatro dias. Eu estava exausta: nos últimos doze meses, tinha passado por uma mudança de país, duas de casa, um divórcio, três empregos e situação um tanto quanto mal resolvida com outro rapaz em quem eu tinha projetado meu desespero por estabilidade; ele disse que gostou de me conhecer mas decidiu prosseguir com outra pessoa.

A dor, que vinha de todo lado, agora era uma só e, por semanas, fez meu coração bater acelerado, meus dedos tremerem. Era um acumulado de tudo que aconteceu antes, mas eu só sofri quando alguém que eu tinha visto umas cinco vezes na vida decidiu que não queria mais me ver.

Procurei bem por cima, sem ânimo de planejar uma viagem que seria grande coisa, e acabei decidindo passar quatro dias em Palma de Mallorca. As praias são lindas. Dá para ir de ônibus. Consigo pagar uma cama em um hostel. É isso.

Ninguém é infeliz no verão

Até a viagem chegar, veio o verão em Londres, e ninguém é infeliz no verão, ainda mais em Londres. Eu mesma fui muito feliz, tanto que aquela dor ficou esquecida. Outras pessoas foram e vieram, e todas eventualmente foram. Até que, um dia, senti aquela mesma dor de antes apertar minha mão forte, muito forte, de esmagar as juntas dos meus dedos umas contra as outras. Lá estava ela, em uma nova forma, e eu com as malas prontas para Mallorca.

“São só quatro dias”, pensei.

“Muita coisa pode acontecer em quatro dias”, corrigi.

Virei a noite acordada no estacionamento do McDonald’s ao lado do aeroporto London Southend – eu não sabia, mas ele tem hora para fechar e meu vôo era antes do primeiro trem, então tive que pegar o último e passar algumas horas assistindo as raposas revirando o lixo. Não lembro se recebi um “boa noite” ou “boa viagem”, apesar da minha promessa de não conhecer ninguém especial na Espanha (a promessa, na verdade, foi de não contar. Era uma piada. Não foi muito bem recebida).

Enfim, cheguei na cidade, pus o biquini, comprei uma garrafa de cava e fui até a praia. Era uma sexta-feira de manhã, e estava praticamente vazia, silenciosa, mas minha cabeça era puro caos. A ideia era relaxar, mas eu me dividia entre checar o celular por alguma notificação, enviar mensagens, aprender a tirar fotos de mim mesma na praia, ver alguma notificação, ler algum post, checar alguma coisa que poderia ter mudado. Em certo momento, a meia garrafa de cava que eu tomei me deixou sonolenta e peguei no sono como um corpo desovado e ansioso na praia.

Acordei um tempo depois, podem ter sido minutos ou horas, com os dentes ralhando areia e a bochecha molhada (podia ser suor mas era soneca).

Peguei o celular e tudo estava exatamente como antes. Fui até o quiosque e pedi um copo de gelo para acompanhar a outra metade da garrafa de cava, que tinha ficado no sol durante minha soneca inteira. Bebi olhando para o mar, aquele azul cinematográfico como eu nunca tinha visto antes.

Vi os barcos lá longe e pensei se daria para alugar um e, se eu estivesse com alguém, poderíamos passar o dia em alto mar. Sugeri, como quem não quer nada. Minha proposta não foi aceita. Tomei a outra metade da garrafa de cava, deitei do outro lado e dormi de novo.

Quando acordei, a praia estava mais cheia. Logo chegou o cara com a caixinha bluetooth que toca reggaeton – sempre tem um. Senti uma solidão tremenda e quis voltar para casa, mas ainda tinha três dias de sol, praia e mar azul.

Detestei.

Dei um jeito de me entreter em Palma, porque sei que me lembraria mais da cor do mar (azul, azul, azul), do que dos olhos de quem eu sequer sei descrever o rosto (estava certa: sei lá de que cor eram), mas que foi meu instrumento de tortura naquela época. Fiquei no escuro, sem saber o que fazer, então fiz a única coisa que podia: viver minha vida.

Fiz um tour guiado pelo centro e aprendi muito sobre a história de Palma. Comi um pouco de tudo. Aprendi finalmente a me bronzear em vez de queimar no sol. Fui jantar sozinha, tomei um drink sozinha, andei à noite sozinha. Vi a chuva cair e o sol sair logo em seguida. Fiz amizades – conheci, inesperadamente, um rapaz brasileiro e passamos o dia na praia juntos. Fiz uma tatuagem. Me olhei no espelho, com a acne atacada pelo calor, a sobrancelha fora do lugar, o cabelo cheio de areia e água do mar, e me achei linda.

Quando a hora chegou de voltar para Londres, eu não fazia ideia de como iria encontrar o que tinha deixado aqui apenas quatro dias atrás. Mas, na verdade, o que era meu, eu tinha levado comigo e trazido de volta: aquela dor dilacerante de antes era, agora, uma explosão lenta, sem começo e sem fim, como se criasse um novo universo dentro de mim.

Eu nunca termino de falar sobre Mallorca porque o que aconteceu comigo lá ainda não terminou de acontecer. Eu me vejo sorridente nas fotos, mas me lembro de como me sentia e essa lembrança não é algo que eu consigo transparecer de forma alguma. Ainda assim, quando eu penso sobre os meus quatro dias de tristeza em Mallorca (olha bem essa frase, francamente…), eu vejo todos os caminhos que abri ali para consertar o que estava errado, encerrar meus ciclos e, em vez de empurrar a maior dor da minha vida para algum lugar fora, apertar a mão dela e garantir que, se ela não ia me deixar sozinha, agora é ela que, sem mim, não vai a lugar nenhum.

Mas o sentimento, agora, é de calmaria. Ela não grita mais comigo, não se bate inteira dentro de mim. Eu, por outro lado, não quero mais fugir dela, porque sei que é ela quem me protege de reviver a mesma história de novo. Eu quero fechar os olhos e lembrar do som do mar, não da minha respiração acelerada, da minha mente em pânico. Eu fecho os olhos e lembro de quando passei quatro dias em Mallorca, tentando encaixar e fazer algo de útil com os pedaços que tinham sobrado do meu coração, e não tenho vontade de ir para lá de novo. Tem muito mais mar azul no mundo, e tem muito mais coração do que cabe no peito.

Quer saber? Acho que, pelo men os por enquanto, eu terminei de falar de Mallorca.

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Giovana Penatti

Giovana Penatti

Giovana mal pode esperar pela terça-feira à tarde na qual estará tomando um drink numa praia no Mar Mediterrâneo rindo muito de tudo isso. Enquanto isso, escreve sobre viagem e morar no exterior por aqui!