Fui tomar um café comigo mais jovem.
Ela pediu um capuccino e ficou confusa que não tinha chocolate no fundo da xícara. Eu contei que isso é coisa do Brasil e, na Itália, capuccino é só café e leite mesmo. Pedi um oat flat white e contei que também não tem isso na Itália porque italiano valoriza o café.
Ela perguntou de onde é o tal oat flat white. Eu falei que é da Austrália ou Nova Zelândia. Ela ajustou a postura, empolgada. Contei que nunca fui para lá, só li isso na internet.
Ela disse que eu pareço com a nossa mãe. Eu disse que ela, eu mais jovem, se parece comigo. Ela entortou a cabeça procurando a semelhança. Eu contei que todo mundo diz.
Ela disse que eu sou magra. Eu ri, porque sei exatamente de onde esse comentário veio: ela está feliz, esperançosa. Eu disse que ela parece saudável. Ela me olhou confusa, como se isso não fosse um elogio. Eu confirmei que é. Ela disse que quer perder peso. Eu disse que ela vai, eventualmente, parar de pensar nisso.
Ela perguntou como está a nossa carreira. Eu perguntei qual delas. Ela disse a da música. Eu disse ah, essa. Tomei um gole do meu café.
Ela notou que eu ainda roo unhas. Eu disse que sim, e mostrei como meus dentes da frente são tortos por causa disso. Ela ficou um pouco assustada.
Ela notou que eu não uso uma aliança. Eu confirmei que ela enxergou corretamente. Ela ficou em silêncio. Não uso mais, provoquei. Ela me olhou suspensa no ar, esperando que eu continuasse. Eu tomei outro gole.
Ela me perguntou com o que eu trabalho. Eu disse que é em Marketing, totalmente na internet. Ela ficou surpresa – essa tal de internet parece que veio para ficar mesmo. Também contei que nunca trabalhei na Capricho, e ela ficou um pouco desapontada. Pedi que ela não ficasse, mas não dei mais detalhes.

Ela me perguntou onde eu moro. Eu disse que é em Londres. Ela pulou na cadeira e começou a me bombardear de perguntas: há quanto tempo? Como? O que eu faço em Londres? Eu fiz faculdade em Londres? Eu disse que tem poucos anos, que dei um jeito de vir, não foi tão complicado. Os olhos dela brilhavam. Contei que, no entanto, nunca moramos em Nova York, mas não tinha problema. Ela disse que não se importava. Eu disse “ainda não.”
Ela me perguntou onde mais eu morei. Comecei a lista por Bauru. Ela me interrompeu – Bauru?! Sim, fica mais no interior que Piracicaba. Por alguns anos. Depois, São Paulo, por muito mais anos. Isso a deixou feliz. Depois, em Adria, uma cidade muito fofa na Itália, depois em Pádua, depois em Londres.
Seus olhos brilharam e ela me perguntou como é Londres. Eu ri, disse que é uma cidade grande e às vezes eu fico de saco cheio. Ela não perguntou, mas eu contei que ainda não conheci nenhuma Spice Girl e não me importo com nada de Harry Potter. Ela deu uma risada tímida, notando que algumas coisas não mudaram.
Ela me perguntou quantos países eu já visitei. Eu disse que não era nenhum número impressionante, mas não sabia dizer de cabeça porque não me importo com essas coisas. Ela perguntou qual o meu favorito. Falei que é o Brasil. Ela ficou desapontada, então disse que o segundo é a Itália. Mas também vou todo ano para a Espanha, meio sem querer. Ela sorriu. Me senti bem com a aprovação e contei que uma vez quase fui morar na China, mas não deu certo. Ela perguntou por quê. Eu tomei outro gole.
Ela me perguntou qual a viagem mais marcante da minha vida até agora, e eu falei que talvez tenha sido a primeira longa que fiz sozinha, um mês nos Estados Unidos, em 2012. Os olhos dela perderam o foco enquanto ela contava quantos anos faltavam.

Também teve a primeira vez que fui para a Europa, quando fui a trabalho para Barcelona em 2016 e me espantei com as ruas medievais do Bairro Gótico e a beleza incomparável da Sagrada Família. Ela me perguntou se é uma igreja, eu disse que sim, e que o ingresso é caro mas vale cada centavo.
A cor da praia em Mallorca, um azul brilhante que eu nunca tinha visto antes.
A cidadezinha de Gjirokaster, na Albânia, no alto da montanha, que eu sofri horrores para aproveitar porque estava desidratada depois de uma infecção alimentar.
Demos risada juntas.
Eu disse que, aqui de onde estou, a vista é bonita mas não é o que eu esperava. Às vezes é melhor. Às vezes, eu gostaria que fosse diferente e me pergunto como é a vista de outras janelas. Agradeci a ela por ter mais coragem do que noção e ter me ajudado a chegar até aqui. Sorrimos.