Quando conheci a Catherine, ela me contou de sua ascendência armênia, da Diáspora e ficou muito claro o quanto isso era importante para ela. Algum tempo depois, enquanto eu estava na Itália, ela conseguiu ir passar uma temporada na Armênia, fazendo trabalho voluntário m um programa para descendentes de armênios – e não voltou mais para o Brasil!
Pedi para ela escrever um pouco sobre essa experiência tão única, já que o Brasil tem muitas pessoas que podem aproveitar o mesmo programa para conhecer a Armênia – estima-se sejam mais de 100 mil os armênio-brasileiros, descendentes de sobreviventes do Genocídio Armênio.
Espero que seja inspirador! 🙂
Não estava planejado, confesso. O plano era vir para a Armênia, terra dos meus antepassados, passar 4 meses fazendo voluntariado por um programa chamado Birthright Armenia (falarei mais depois), ter minha primeira experiência fora do Brasil, aprender a falar armênio, conhecer esse lugar incrível, me divertir um pouco e voltar. Mas, cá estou eu, morando em Yerevan.
Primeiro, vamos começar respondendo a pergunta que eu sei que você está se fazendo: onde fica a Armênia? Se você olhar no mapa, dirá que a Armênia está na Ásia. Porém, culturalmente falando, a Armênia pode ser considerada parte da Europa. Eu sei, é confuso, mas você não precisa entender (nem eu, na verdade). Devido aos muitos anos como República Socialista Soviética da Armênia, é notável o quanto a cultura russa interferiu e interfere até os dias de hoje por aqui.
Agora que você já sabe de que parte do globo eu estou escrevendo, deixa te contar como vim parar aqui.
O que foi o Genocídio Armênio
Em 1915 o povo armênio sofreu o que ficou conhecido com um dos primeiros genocídios do século XX, o Genocídio Armênio, fazendo com que os armênios que residiam nas regiões do antigo Império Turco-Otomano marchassem pelo deserto (literalmente) para não serem mortos, estuprados, degolados, torturados, entre outras coisas.
Mesmo assim, 1,5 milhões de armênios foram mortos nessa época e outros tantos migraram para diversos países do mundo, incluindo o Brasil. Foi assim que meus bisavós recomeçaram suas vidas no BR e é por isso que hoje estou aqui, a quarta geração dos sobreviventes do Genocídio Armênio.
Tendo dito tudo isso, acredito que você consegue entender o porquê de eu querer vir para a Armênia e tudo que significa para mim!
Como funciona o Birthright Armenia
Como eu, milhares de jovens pelo mundo também têm o sonho e a vontade de conhecer a Armênia. Pensando nisso, foi criado um programa chamado Birthright Armenia, que facilita (e muito!) esse sonho para jovens de 21 a 32 anos, descendentes de Armênios, netos e bisnetos da diáspora.
Você faz seu cadastro no site, preenche alguns formulários, envia a cópia do seu passaporte, faz uma entrevista via Skype com algum dos membros do staff e, se for aceito (99,9% de chance de ser aceito), começa a sua aventura.
Os benefícios que eles oferecem são:
- Reembolso total das passagens para quem estiver disposto voluntariar na Armênia por pelo menos 16 semanas;
- Estadia em casa de família, pagando apenas despesas mínimas caso escolha jantar em casa e lavar as roupas em casa também (você pode optar por jantar e lavar roupa fora de casa, por sua conta, por exemplo);
- Aulas de Armênio duas vezes por semana;
- Fóruns e Havaks (Reuniões) organizados pelo Birthright Armênia toda semana, em que os voluntários se reúnem para visitar algum museu, alguma empresa importante ou simplesmente ir ao escritório deles para ver um filme/documentário produzido na Armênia sobre algum tema relevante;
- Excursões todos os sábados, seja para pontos turísticos, para fazer serviço comunitário ou para conhecer algum vilarejo. Você paga em torno de U$8 para participar, com almoço e transporte inclusos.
É realmente uma mão na roda para quem como eu não teria condições de vir para cá por conta própria apenas para visitar, pagar hotel, pagar os passeios turísticos, etc etc etc. Sem contar que ficar em casa de família te dá uma visão real de como é a vida na Armênia. Ficar em Yerevan, a capital, é menos desafiador. Mas, se você opta por ficar em cidades menores, como Gyumri e Vanadzor, você terá outra experiência, de uma vida mais calma e mais simples.
Outro ponto legal é que você escolhe com o que quer voluntariar! A Armênia é um país em crescimento, com muitas novas empresas e é muito forte na área de tecnologia; portanto, há uma infinidade de possibilidades de voluntariado. Quando eu decidi vir para cá, tinha em mente que faria algo na minha área, em Marketing, em alguma empresa legal e descolada, como as que trabalhei no Brasil.
Trabalhar na Armênia
Quando descobri que o aplicativo de edição de fotos PicsArt é uma empresa Armênia, eu pedi para o Birthright se eu poderia voluntariar lá. Eles não tinham certeza, já que a empresa não costumava ter voluntários, mas conversaram com eles e fizeram o possível para que eu pudesse ter uma entrevista pessoalmente dois dias depois de eu desembarcar. E foi assim que eu comecei no PicsArt!
Depois de aproximadamente um mês de voluntariado, eles começaram a falar sobre a possibilidade de me oferecer um emprego na empresa e eu, sem saber direito o que queria, falei que estava aberta a propostas (claro, o que eu iria falar?). No final do segundo mês, me fizeram uma oferta de emprego.
Eu aceitei, mas só poderia realmente começar em dois meses, pois precisava terminar o voluntariado para receber o reembolso das passagens (é grana pra caramba, não dava pra perder). Eles disseram que não tinha problema e foi assim que, no mês passado, dia 1 de junho, comecei oficialmente a trabalhar no PicsArt.
Agora estou na fase de documentação, pegar o Cartão de Residência, papelada e mais papelada; aluguei um apartamento perto do trabalho por um preço bom (preço justo, considerando que o apartamento é dos anos 1950) e essa é minha vida agora.
O slogan do Birthright Armenia é “A journey of self-discovery” e, entre os voluntários, às vezes tiramos sarro disso porque é uma frase bem clichê e filosófica. Mas a verdade é que é exatamente isso que todo esse programa foi para mim: uma jornada de autoconhecimento. De descobrir do que sou capaz, ter emoções que nunca havia sentido, novos sentimentos e medos, habilidades e fraquezas. Digo com 100% de certeza de que não sou a mesma pessoa que entrou no avião em fevereiro rumo ao “desconhecido”. Não sei dizer se sou alguém melhor ou pior; apenas diferente do que era, com outra visão de mundo e de vida.
Eu diria que a melhor parte de todo o programa são as pessoas que conheci por aqui. Fiz amigos de diversos países diferentes, que eu jamais conheceria em outra ocasião, mas nos encontramos aqui, todos com o mesmo propósito e expectativas. A experiência é diferente para cada um de nós e poder compartilhar isso com outras pessoas que estão no mesmo barco que você muda tudo.
Outros programas de voluntariado
Para quem não é Armênio ou tem mais de 32 anos, existe também o programa AVC – Armenian Volunteer Corps, que é basicamente a mesma coisa porém sem alguns dos benefícios como o reembolso da passagem. Além disso, voluntários que vêm pelo AVC têm de pagar o valor total da sua estadia em casa de família, caso escolham essa opção. Por isso, a maioria simplesmente prefere alugar um lugar para ficar durante o programa, geralmente dividindo um apartamento com mais voluntários do mesmo programa.
Então, caso você esteja em busca de algo diferente, lembre-se que a Armênia estará sempre precisando da sua ajuda e estará sempre de braços abertos a te receber! Vem me visitar, te faço um café (armênio).
Catherine Kachvartanian tem 25 anos e é nascida e criada em São Paulo/SP. Formada em Administração, mas curte mesmo é marketing. Siga-a no YouTube no canal Delicada Feito Coice de Mula e no Instagram: @catherinekach❤