Em um dos meus primeiros dias na Itália, em 2018, lembro de estar voltando para o Airbnb, numa cidade pequena perto de Milão, e ver uma luz verde muito forte do lado de fora de uma loja. Me aproximei e, ainda do outro lado da rua, vi um enorme adesivo de folha de maconha na vitrine. Curiosa e confusa, atravessei para conferir se tinha visto errado.
Não tinha: era uma loja de maconha mesmo.
Pense rápido quais são os países onde você sabe que a maconha legalizada. Tenho certeza que a Itália não está entre eles. Então, como essa loja existia?
A vendedora, percebendo a minha cara de dúvida olhando pela janela, apoiou uma mão na porta, a que não segurava um vape, e me convidou a entrar. Eu disse que só estava curiosa, porque não sabia que a maconha era legalizada na Itália. Ela garantiu que era e me mostrou cada uma das flores que tinha à venda, me deixou cheirá-las, explicou os efeitos de cada uma e até me ofereceu seu vape para que eu experimentasse uma das variações.
Achei uma proposta um pouco nojenta, mas agradeci a disponibilidade. Foi uma conversa tão inesperada que, pouco depois, ela estava enviando mensagens em vários anúncios de quartos tentando me ajudar a encontrar um lar para começar o reconhecimento da minha cidadania italiana na cidade.
Não deu certo, mas isso é outro assunto. Minha curiosidade sobre a existência da loja não tinha sido saciada. A Itália não é conhecida por ser um país muito progressista; a maconha é mesmo legalizada aqui?
O que é a cannabis light
As matérias que li na época explicavam que era legalizado um tipo específico de maconha: a cannabis light, que tem um índice de THC muito baixo, que é considerado até irrisório. Atualmente, esse índice é de 0,5%.
No entanto, tem CBD, substância que tem efeito calmante, analgésico e anti-inflamatório. Então, a cannabis light deixa o usuário relaxado, mas não chapado. Não serve como droga recreativa; suas propriedades estão mais ligadas ao bem-estar.
É essa variação que é vendida nas lojas de maconha na Itália, seja a flor em si, seja o óleo para vaporizar. Especialmente em cidades grandes, é possível encontrar várias lojas que vendem os produtos.
Como é uma loja de maconha na Itália
Nem toda loja vive só de flores e óleos. Aliás, há aquelas que nem vendem esses produtos, mas outros feitos com a Cannabis.
Normalmente, essas lojas têm uma abordagem de cuidados para a saúde e bem estar, divulgando as vantagens das substâncias da Cannabis em pomadas, cremes, até shampoos e condicionadores, além de alimentos, biscoitos, farinhas, óleos, chás e muitos outros.
Toda vez que entrei numa loja dessas, foi um pouco surpreendente! A pessoa mais jovem que me atendeu numa delas foi a moça que falei no começo do texto, e ela tinha uns 40 anos. Aliás, já vi vários atendentes que são visivelmente mais velhos, entre os 60 e 70 anos de idade, e eles sempre se empolgam para explicar os produtos.
Numa dessas, já comprei um macarrão do tipo orecchiette feito com farinha de cannabis, tão artesanal que dava para ver até as marcas do dedo de quem fez! A principal diferença dele para um macarrão tradicional é… tudo: a cor, mais acinzentada; a textura borrachuda, mas com a superfície lisa demais; o gosto de nada.
Ou seja, há usos melhores para a Cannabis.
Maconha na Itália: o que pode e não pode
E, antes que você pense que estou falando em fumar, não é o caso. Inclusive, a maconha vendida nas lojas não é indicada para consumo. Isso mesmo: você não pode comprar uma flor de maconha e fumá-la. Ou, pelo menos, não deve, porque isso é proibido. Então, esses produtos vêm com ressalvas do tipo “para animais domésticos”, “item de colecionador” e o mais comum, “não indicado para consumo”.
Mas, aos poucos, a legislação parece estar ficando mais branda. Desde o fim do ano passado, é legalizado plantar cannabis light para consumo próprio – as lojas, no entanto, já vendiam sementes antes dessa permissão, e ainda vendem as de variações com índice de THC superior ao tolerado. Aí, é cada um por sua conta e risco.
A tal da maconha medicinal
O uso medicinal também é muito adotado, e cresce vertiginosamente. O Stablimento Chimico Farmeceutico e Militare, ligado ao exército italiano, que fornece remédios para as Forças Armadas e pesquisa e desenvolve produtos farmacêuticos de interesse social e difíceis de encontrar (ou seja: que não interessa às farmacêuticas produzir), pretende produzir 500 quilos de flores de cannabis em 2020. É um aumento de 150kg em relação a 2019. Em comparação, em 2013, o consumo anual da maconha medicinal era de 40 quilos. Para dar conta da demanda interna, a Itália atualmente importa da Holanda e do Canadá.
Então, se você estiver na Itália e, como eu, for movido a curiosidade, não deixe que o preconceito e o tabu permitam que você conheça mais sobre essa planta e suas propriedades! Afinal, boa parte do legal em viajar é encontrar ideias diferentes das nossas. E, mesmo que não pretendamos adotá-las, conhecê-las faz com que a gente abra um pouco mais a cabeça para o diferente.
Só não leve um souvenir do tipo de volta para casa, para não arriscar um tráfico internacional de drogas acidental. Afinal, tudo que você leu neste post se aplica somente à Itália, e o fato da cannabis light ser vendida aqui não quer dizer que possa ser levada para outros países, ok?!
Para ler mais:
Alguns links que recomendo a leitura, para quem quiser se aprofundar um pouco mais no assunto:
- Na Itália, cresce o consumo da cannabis que não se fuma nem come
- Corte da Itália libera cultivo doméstico de cannabis
- Cannabis light, sarà legale da gennaio 2020: approvato l’emendamento alla Manovra. “Non dovrà contenere più dello 0,5% di Thc”
- Na Itália, ao invés de combater a maconha é o exército que planta a erva legalmente
- Itália quase triplicará a produção nacional de maconha medicinal em 2020