São 17h12 de um sábado, dia 24 de outubro, quando finalmente me sento para escrever esse texto. A viagem para Barcelona acabou há mais de um mês – na verdade, há quase dois. Ainda tenho o que falar sobre ela, e esse nem será o último post. Mas deixei para essa última leva porque ele fala exatamente de uma “descoberta” que tive na viagem: as coisas demoram. E a gente não sabe esperar.
Roma é conhecida como a cidade eterna, mas Barcelona tem uma eternidade dela mesma. É como se o tempo passasse de forma diferente lá.
Afinal, não há pressa em Barcelona; pelo menos, não quando você entende que pode, sim, curti-la por dois ou três dias, mas quanto mais tiver, melhor será. Não dá pra ter pressa em Barcelona, porque Barcelona não tem pressa alguma. O maior símbolo da cidade, a Sagrada Família, está em construção desde 1882 e tem previsão de estar até 2026. Ou melhor, tinha, já que a pandemia atrapalhou esses planos. São quase 150 anos de criação.
Você conhece alguma coisa que começou hoje e só será concluída daqui a 150 anos?
Entre todos os sentimentos que essa basílica desperta, esse foi um dos mais fortes em mim. Eu tenho uma questão com o tempo: ele passa rápido demais para mim, sempre passou. Me acho velha demais para fazer muitas coisas desde os 10 anos, tenho a tal pressa de viver. Não de uma forma romântica; é mais fatalista, mesmo: o tempo está passando, e está me deixando pra trás o tempo todo. Hoje, entendo que é a ansiedade que convive comigo desde sempre. No entanto, isso não faz com que seja mais fácil.
O Museu Picasso em Barcelona
A única coisa que meu marido queria fazer em Barcelona era ir ao museu do Picasso. O pintor viveu em Barcelona e, no bairro El Born, há um museu que conta, em ordem cronológica, sua trajetória nas artes – sim, no plural! Afinal, Picasso não apenas pintava, mas também esculpia e até se aventurou nas cerâmicas. Está tudo lá.
Meu marido sabe bem mais sobre arte do que eu, tem seus próprios ídolos, livros de referência e tudo o mais. Além disso, ele desenha, faz quadros e tatua. Então, gosto de ir a museus com ele porque ele identifica nomes e eras, enquanto eu pergunto coisas como “o quadro do Jesus virando o olho não tá mais aqui?” no Masp. Aprendo muito com ele.
Portanto, ele sabia, mas eu não, que Picasso não nasceu cubista. O pintor estudou e praticou muito, por décadas, e se aperfeiçoou em diversas técnicas de pinturas. Ver um quadro realista incrível e a assinatura “Picasso” no canto nem parece real. Quando foi para Paris, se deixou influenciar pelo impressionismo, e isso também aparece em algumas telas.
“Antes de desconstruir, você precisa saber construir. Para fugir da técnica, precisa saber o que ela é”, me explicou meu marido.
Picasso começou a estudar pintura em 1895, aos 14 anos. Mas o pontapé do cubismo é de 1907, quando terminou o quadro Le Demoiselles d’Avignon. Por outro lado, a Guernica é de 1937 – 30 anos depois.
Aprendemos tudo isso em uma pesquisa rápida na internet, ou um passeio de uma hora e meia num museu. Lá, passamos por quadros pequenos, que parecem tentar retratar paisagens à perfeição. Desenhos feitos à caneta, estudos e esboços. Retratos que parecem caricaturas, mas têm profundidade, sombras e luz. Pinceladinhas que parecem um mosaico na metade de um quadro, como se ele tivesse desistido de continuar. Pinceladas grandes e imperceptíveis em blocos de tinta que parecem feitos no computador.
Afinal, nenhuma trajetória começa pelo fim.
O “Jogo Longo”
Isso me lembra a série de vídeos The Long Game, que mostra que Leonardo Da Vinci não era considerado um gênio sua vida toda. Em vez disso, ele não terminava trabalhos, porque tinha ideias ambiciosas demais. Então, aos 30, desenhava criminosos mortos pra ganhar algum dinheiro.
E A Última Ceia? Ele só pintou aos 46 anos. QUARENTA E SEIS! Imagino que, em 1498, ele já era um senhor nessa idade.
As coisas, afinal, levam tempo. Se tornar bom em alguma coisa leva tempo. Desenvolver um projeto, criar uma reputação, até mesmo ter experiência para chegar no nível em que você alcança o sucesso… Tudo isso leva um tempo que, acho, não estamos muito dispostos a “esperar”.
E coloco entre aspas porque sei que, no fundo, não é o verbo certo; quem está nessa jornada não está parado. Além disso, tem uma coisa fatídica, quase cruel sobre o tempo: ele vai passar, de qualquer jeito. Você vai chegar aos 30, aos 40, aos 50 anos. Então, precisa decidir, agora, que pessoa será quando esses marcos chegarem.
“As Meninas”, por Picasso: 58 quadros para chegar em um
No Museu Picasso em Barcelona, o trajeto te leva até um marco de sua carreira que, talvez, você nunca tenha ouvido falar: sua representação de As Meninas, de Diego Velázquez.
Por quatro meses, Picasso estudou obsessivamente cada pedaço dessa pintura para fazer a sua versão. Então, o resultado foi 58 quadros com diferentes ideias, perspectivas e iluminações. Andar pela sala é ver uma galeria de possibilidades, tentativas e até fracassos – as coisas que todo mundo esconde.
Ao lado, está outro estudo que Picasso fez na mesma época: uma série de pinturas da vista dos pombos na janela do ateliê. Nenhuma delas é uma obra prima, não foram pintadas para isso. Eram apenas uma distração, uma pausa no projeto d’As Meninas. Obras que não precisavam ser apreciadas, mas estão ali para mostrar que nada surge pronto.
Imediatismo ou o Long Game
Às vezes, me pego pensando na coisa que eu mesma estou criando agora. Sinceramente, não sei qual é. Mas consigo perceber consequências de decisões que tomei há muitos anos e que, junto com várias outras, me tornam experiente em certas coisas.
Então, me lembro do que vi no Museu Picasso, e da Sagrada Família que não está terminada. Do Coliseu, do Panteão, e das ruínas que vi em Roma (ah, sim, eu fui pra Roma nesse meio-tempo!). Chego na Inglaterra (isso também aconteceu: me mudei para Londres!) e vejo que tudo é diferente – as casas, as pontes, até a mão para dirigir – , e moro numa casa de pelo menos uns 150 anos.
E, assim, até consigo ter um pouco mais de paciência e acolhimento com o meu próprio tempo: qualquer conquista que eu queria ter amanhã, precisa ter sido começado muito antes de hoje. Qualquer coisa diferente disso é imediatismo. E eu quero jogar o Long Game.
Obs: termino esse post às 19h54 de uma sexta-feira, dia 20 de novembro, em um país diferente do que comecei. Meu marido não mora mais comigo; vivo com cinco outras pessoas. Além disso, comecei a usar roupas térmicas, e anoitece antes das cinco da tarde. O tempo é sempre implacável.